Pena Justa Reforma faz articulação inédita para regularizar estruturas das prisões

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta terça-feira (27/5), a ação Pena Justa Reforma, iniciativa para regularização das estruturas físicas das unidades prisionais em todo o país. A ação envolve a emissão de licenças e alvarás de funcionamento para cada unidade penal do país, emitidos por órgãos técnicos como os corpos de bombeiros e vigilância sanitária — uma resposta à ausência de critérios mínimos de funcionamento que levaram ao reconhecimento da situação inconstitucional das prisões brasileiras pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nosso objetivo é garantir que a punição ocorra dentro dos limites da lei e da decisão judicial. Prisões insalubres e sem controle apenas fortalecem o crime organizado e agravam a insegurança pública”, afirmou na abertura o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso. “Presídios que funcionam à margem da legislação, com negligência do papel do Estado, abrem caminho para mais violência e para o fortalecimento do crime organizado. O Habite-se prisional é uma medida para que o Estado reassuma o controle das prisões com base em critérios técnicos”, completou.
A proposta, que integra o plano Pena Justa, reúne um conjunto de medidas inéditas voltadas à qualificação estrutural das prisões e ao fortalecimento da atuação judicial, como a realização de mutirões nacionais de habitabilidade, que resultarão em diagnósticos técnicos sobre as condições de cada unidade, subsidiando a elaboração de planos estaduais para orientar ações permanentes de reforma, readequação e fiscalização.
Saiba mais sobre o Pena Justa Reforma.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, “não se trata de fazer o extraordinário. Estamos falando de garantir o elementar: o cumprimento da lei no sistema prisional”, defendeu. “Quase 90% das unidades penais do país não têm licença de funcionamento. O que propomos é uma resposta concreta, técnica e ética a essa omissão histórica. O Pena Justa Reforma coloca o funcionamento das prisões no centro do debate sobre segurança pública e dignidade humana”.
Assista ao vídeo de apresentação da ação.
Representando o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o diretor-executivo da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Luiz Otávio Gouveia, reforçou o caráter interinstitucional da ação. “Essa é uma oportunidade concreta de o Estado assumir, com responsabilidade e planejamento, o compromisso com um sistema prisional que funcione dentro da legalidade”, afirmou.
A ação tem o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, que contribui com o CNJ no desenvolvimento, na implementação e no monitoramento do Pena Justa. Desde 2019, o Fazendo Justiça é coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Senappen para transformar o campo penal e o campo socioeducativo.
Apoio técnico para garantir segurança e legalidade
O evento reuniu também especialistas em engenharia, arquitetura e segurança contra incêndios para discutir a implementação técnica da ideia do Habite-se prisional. Trata-se de articulação inédita entre o Judiciário e órgãos como o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), que atuarão conjuntamente na definição de normas, diagnósticos e na emissão de licenças para o funcionamento das unidades penais. A cooperação técnica busca corrigir a precariedade estrutural histórica das prisões, com base em parâmetros objetivos e nacionais de regularização.
Representando a Ligabom, o coronel Luiz Frederico Barreto Pascoal, também comandante do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, enfatizou que os alvarás devem refletir condições reais de segurança: “O alvará de funcionamento não é apenas um papel, é a comprovação de que aquele espaço respeita normas técnicas que garantem a integridade das pessoas que ali vivem e trabalham”.
Para a conselheira federal Mônica Andréa Blanco, titular pelo Distrito Federal no CAU/BR, o ambiente influencia diretamente o comportamento, o bem-estar e a saúde do usuário. “Precisamos ouvir quem vive e trabalha nesses espaços todos os dias”, defendeu. Já o representante do Confea, Leandro Pitino, destacou o papel da engenharia na transformação institucional: “Temos uma oportunidade de ouro para mudar o cenário do sistema prisional. O Confea está ao lado do CNJ nessa missão de garantir estruturas mais humanas e funcionais”.
Nova metodologia visa fortalecer atuação judicial
O evento também marcou o lançamento da nova metodologia de inspeções prisionais do Poder Judiciário, prevista na Resolução CNJ n. 593/2024. A metodologia é detalhada em um manual dividido em três volumes, desenvolvido com apoio do Fazendo Justiça e da Associação para a Prevenção da Tortura (APT). A metodologia introduz um modelo padronizado de atuação judicial, que organiza os procedimentos de inspeção desde o planejamento até o acompanhamento de providências, com base em formulários temáticos, indicadores objetivos e parâmetros legais nacionais e internacionais. A aplicação do novo modelo está prevista para agosto de 2025, após um ciclo de capacitações voltado a magistrados e servidores que ocorrerá nos meses de junho e julho.
A assessora jurídica da APT no Brasil, Silvia Dias, ressaltou que o manual representa um avanço técnico e institucional ao oferecer à magistratura uma ferramenta prática e segura para condução das inspeções: “O manual sistematiza normas nacionais e internacionais e oferece aos juízes uma trilha segura para conduzir inspeções com profundidade, foco em direitos e resposta institucional”.
O processo de construção da metodologia contou com oficinas técnicas e a validação por magistrados e magistradas de diferentes regiões do país, que contribuíram com sugestões e testes práticos. Um dos participantes, o juiz Rogério Alcazar, da 4.ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo, afirmou que o material “transforma uma prática antes empírica em uma atuação profissional, padronizada e efetiva”. Já a juíza Lorena Victorasso, titular da 3.ª Vara Regional de Execução Penal de Caruaru (TJPE), destacou que “a metodologia é viável, aplicável e representa um salto qualitativo para a atuação da magistratura na execução penal”.
Como parte da implementação da nova metodologia, o CNJ lançará em breve uma página institucional dedicada ao tema, com vídeos formativos, perguntas frequentes, a exposição de motivos da resolução e a tradução da normativa para os idiomas inglês e espanhol, além do novo sistema de Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Prisionais (Cniep).
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